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[Magia sem Lágrimas]: A doutrina dos Irmãos Negros, a Quimbanda & o Logikoi da Hermética


12 DE MARÇO DE 2025 E.V. –


Care Frater,


Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

 

Recebi tua preocupação e compreendo o motivo de tuas indagações. O Caminho da A∴A∴ é árduo, pois exige um compromisso inabalável com a Verdadeira Vontade, e ao longo desse percurso, muitos nos acusarão e levantarão falsos testemunhos sobre nós. Dizes que há rumores afirmando que, por me tornar um feiticeiro da Quimbanda, eu teria caído em desgraça e agora seria um Irmão Negro. Tal acusação não poderia ser mais equivocada, pois demonstra uma compreensão deficiente tanto da natureza da feitiçaria quanto da própria doutrina dos Irmãos Negros, conforme revelada nos escritos de Aleister Crowley, especialmente em Magick Without Tears, Capítulo 12, e no Liber 418: The Vision & the Voice, nos Aethyrs 14, 13, 12, 7 e 3. Após essa introdução, segue algumas pontuações técnicas no que concerne o assunto.

 

Em primeiro lugar, Crowley rejeita explicitamente a noção de que a magia ou a busca pelo poder espiritual sejam, em si mesmas, sinais de um Irmão Negro. Ele define magia como a Ciência e a Arte de causar Mudanças de acordo com a Vontade e ensina que seu propósito supremo é alinhar-se à Verdadeira Vontade. Como diz no Magick in Theory and Practice: A Magia é a mais alta e a mais absoluta, e a mais divina compreensão da Lei da Natureza. Portanto, não há condenação alguma ao feiticeiro que busca, por meio do seu ofício, realizar a Vontade.

 

Os Irmãos Negros são definidos não pela prática da magia, mas por sua recusa em atravessar o Abismo. No Liber 418, particularmente nos Aethyrs 13 (ZIM) e 12 (LOE), Crowley descreve que aqueles que falham no Abismo não são magos poderosos, mas sim aqueles que se recusam a abandonar seu Ego, que tentam preservar uma identidade ilusória e, assim, se tornam estéreis espiritualmente. Diz ele no Aethyr 12: O Irmão Negro é aquele que constrói um muro ao seu redor e diz: «Eu sou eu, e nada além de mim existe». E então ele define sua identidade em termos ilusórios e se separa da Corrente da Luz Divina.

 

Assim, o verdadeiro critério para identificar um Irmão Negro não é sua arte mágica, mas seu rompimento com a Vontade Cósmica. Ele não cria, não gera, não irradia a luz da Verdadeira Vontade – ele apenas acumula, se fortalece artificialmente, mas sem nada oferecer ao mundo. No Aethyr 7 (DEO), vemos a consequência desse estado: Os Irmãos Negros perecem em sua própria escuridão, pois não podem mais absorver a luz, tendo se tornado estéreis.

 

Agora, vejamos a Quimbanda. Este é um caminho mágico e iniciático, uma tradição de feitiçaria profundamente enraizada na relação com os Espíritos Ganga. Como sabemos, não há um só caminho legítimo para a Verdadeira Vontade, e o trabalho com os ancestrais divinizados na Quimbanda – os equivalentes aos Chefes Secretos da A∴A∴ – é um dos muitos meios pelos quais um magista pode desenvolver sua iniciação. Crowley, ao longo de sua vida, esteve em contato com diversas tradições de magia cerimonial, Ocultismo e cultos de feitiçaria, e nunca condenou um sistema mágico apenas por sua forma externa.

 

Se alguém sugere que feitiçaria, por si só, é um sinal de queda ou de corrupção, falta-lhe entendimento sobre a própria essência da Grande Obra. A feitiçaria é uma ferramenta – assim como a cabalá, o tarot, os ritos como Liber Resh, os rituais da Aurora Dourada – e seu valor reside no propósito que a anima. Se um feiticeiro da Quimbanda opera alinhado à sua Verdadeira Vontade, seu caminho é tão válido quanto o de qualquer thelemita que atinge a compreensão dos Mistérios por meio de outros métodos.

 

Portanto, Frater, te encorajo a refletir sobre a essência desse ensinamento. Aqueles que julgam precipitadamente a feitiçaria sem compreendê-la demonstram estar presos às ilusões da dualidade e da ignorância – e nosso papel é trazer Luz onde há trevas.

 

Para encerrar esta introdução, te convido a meditar sobre uma passagem dos Livros Sagrados de Thelema, a Parábola da Imagem Pálida do Ouro Fino (LXV, II: 7-17). Este ensinamento revela um segredo profundo: a forma externa das coisas não é a sua essência. Muitos se prendem à adoração da aparência, confundindo o reflexo com a Verdade. Mas o Iniciado, o verdadeiro Adepto, não se satisfaz com sombras – ele busca o Ouro Verdadeiro: não confunda a casca com o fruto, nem a sombra com a Luz. Segue a instrução que precisa. Teci argumentações técnicas sobre a doutrina dos Irmãos Negros, comparei com o feiticeiro da Quimbanda e encerro comparando-os ao logikoi do Corpus Hermeticum.

 

No pensamento de Aleister Crowley, os Irmãos Negros não são simplesmente feiticeiros ou praticantes da mão esquerda, mas representam uma categoria específica de indivíduos dentro do sistema iniciático de Thelema, definida pela falha em atravessar o Abismo e alcançar o grau de Magister Templi na A∴A∴. O próprio Crowley rejeita a ideia de que a feitiçaria, a prática da magia ou até mesmo a busca por poderes ocultos sejam condições para alguém ser um Irmão Negro. Para entender isso, devemos recorrer às suas explicações no Capítulo 12 de Magick Without Tears e ao estudo aprofundado do Liber 418: The Vision & the Voice, especialmente os Aethyrs 14, 13, 12, 7 e 3, nos quais Crowley analisa o destino dos que falham na iniciação e se tornam os Irmãos Negros.

 

A doutrina dos Irmãos Negros está diretamente ligada à travessia do Abismo, a esfera de Daath, que separa o mundo manifesto das realidades mais elevadas da Árvore da Vida. No sistema da A∴A∴, um Adeptus Exemptus 7°=4 precisa abandonar sua individualidade e permitir que sua consciência seja absorvida por Binah, tornando-se um Magister Templi 8°=3 e servindo como um canal para a Vontade Divina.

 

No entanto, aqueles que falham nessa travessia e se recusam a abandonar seu Ego tornam-se Irmãos Negros. Eles se apegam à sua identidade pessoal e, em vez de se tornarem veículos da Verdade Universal, isolam-se dentro de suas próprias ilusões. Em Magick Without Tears, Crowley escreve: O Irmão Negro é aquele que se recusa a destruir seu ego no Abismo. Ele tenta criar um universo próprio, mas como não pode obter nova energia além de si mesmo, está fadado a se tornar uma tumba ambulante, um morto-vivo espiritual.

 

Isso significa que o Irmão Negro não é alguém que pratica feitiçaria ou magia, mas sim aquele que se recusa a transcender seu próprio Ego e, assim, se desconecta da corrente de Luz.

 

Eu tenho muitos problemas com o entendimento da palavra ego como utilizada na magia moderna psicologizada. Essa é uma palavra grega que, no contexto do Corpus Hermeticum, por exemplo, pode se referir ao próprio nous. Mas em se tratando de Thelema, não há como fugir desta revisão psicologizada.

 

Nos Aethyrs 14, 13 e 12, Crowley descreve os estágios da queda dos Irmãos Negros e sua estagnação no Abismo. O Aethyr 14 (UT) mostra aqueles que buscam criar seu próprio reino de poder, mas falham ao não reconhecer que toda existência verdadeira vem da entrega a Taça de Babalon. No Aethyr 13 (ZIM), ele encontra aqueles que se apegam às suas ilusões de poder e conhecimento, tornando-se entidades separadas do fluxo divino. Finalmente, no Aethyr 12 (LOE), ele vê que esses indivíduos estão espiritualmente mortos, pois tentaram manter suas imagens, mas se esgotaram por não possuírem uma forma genuína de energia. Aqui uso as palavras forma e imagem no sentido platônico técnico.

 

Crowley reforça que a característica essencial de um Irmão Negro não é a busca pelo poder mágico, mas sim o isolamento espiritual e a recusa em se render à Vontade Superior.

 

No Aethyr 7 (DEO), vemos que o destino final dos Irmãos Negros é a dissolução, pois, tendo recusado a absorção em Binah, não possuem mais fonte de energia. Crowley descreve: Seu castelo é feito de sombras, e eles habitam em meio a coisas secas, pois tudo o que tocam é consumido pela esterilidade de sua própria fome.

 

Isso significa que o Irmão Negro não tem poder real sobre a magia ou o mundo espiritual – sua força é ilusória, pois ele só pode consumir, mas nunca criar. Esse é um ponto crucial para desconstruir a acusação de que a feitiçaria ou a Quimbanda seriam manifestações de Irmãos Negros. Pelo contrário, a magia praticada com verdadeiro propósito – seja ela de Quimbanda, Thelema ou qualquer outro caminho – está alinhada à Vontade e, portanto, não pode ser confundida com a condição de um Irmão Negro.

 

No Aethyr 3 (ZON), Crowley mostra o contraste entre os Irmãos Negros e os verdadeiros Magistri Templi. O Magister Templi dissolve sua identidade no Mar da Compreensão (Binah) e torna-se um veículo da Luz, enquanto o Irmão Negro recusa essa transformação e se fecha em si mesmo, morrendo lentamente. Crowley enfatiza que: O caminho dos Irmãos Negros é de autodestruição, pois eles tentam manter o que deve ser sacrificado. Assim, tornam-se fantasmas, sombras de si mesmos.

 

Aqui, fica claro que a feitiçaria, longe de ser um sinal de Irmão Negro, pode ser uma ferramenta para a iluminação, desde que esteja alinhada à Verdadeira Vontade. A diferença crucial está no propósito: se a magia é usada para expansão da consciência e alinhamento com o Cosmos, ela não tem relação com os Irmãos Negros. O perigo surge quando a magia é utilizada como um meio de reforçar um Ego isolado e separado da Vontade Divina.

 

Diante dessas definições, podemos desmontar completamente a acusação de que ser feiticeiro ou praticante de Quimbanda implica ser um Irmão Negro. Como vimos:

 

  • Os Irmãos Negros não são definidos pela prática da magia, mas pela recusa em transcender o Ego e se abrir para a Verdadeira Vontade.

  • A feitiçaria e a magia podem ser usadas para alinhamento com a Verdadeira Vontade, o que é o oposto do isolamento espiritual dos Irmãos Negros.

  • Os Irmãos Negros são espiritualmente estéreis – enquanto a Quimbanda, como prática mágica tradicional, está viva e conectada à corrente de seus ancestrais e forças cósmicas.

  • A característica essencial do Irmão Negro é a estagnação, e não a busca ativa pelo poder espiritual, que é o fundamento da feitiçaria.

     

Crowley rejeita explicitamente a noção de que a magia ou a busca pelo poder espiritual são indícios de um Irmão Negro. Em vez disso, ele enfatiza que a verdadeira feitiçaria, quando alinhada com a Vontade, é uma ferramenta de Deificação.

 

Dessa forma, se alguém acusa um praticante de Quimbanda ou qualquer outro caminho mágico de ser um Irmão Negro simplesmente por sua prática, está cometendo um erro conceitual grave e uma leitura equivocada dos ensinamentos de Crowley. O verdadeiro Irmão Negro não é aquele que pratica magia – mas sim aquele que se recusa a seguir sua Verdadeira Vontade e, por medo, se fecha dentro de sua própria ilusão, definhando no Abismo.

 

Em The Vision & the Voice Crowley diz que aos Magistri Templi se faz necessário compreender a natureza das flores em seu jardim (Aethyr 13), do contrário, como ele poderá cuidar de cada uma delas? Assim como a luz se propaga em distintos espectros, podemos escolher caminhos distintos para iluminar a mente daqueles que buscam iluminação. Agora teço, portanto, uma equivalência, data vênia as devidas proporções e diferenças para não exceder em anacronismos, entre os Irmãos Negros do sistema da A∴A∴ e o logikoi no Corpus Hermeticum.

 

Os Irmãos Negros, segundo Crowley, são aqueles que falham ao atravessar o Abismo e se tornam estéreis espiritualmente. Eles constroem um muro ao redor de si mesmos, recusando-se a se dissolver na corrente universal da Verdadeira Vontade, tentando preservar um Ego ilusório. Como descrito no Liber 418, particularmente nos Aethyrs 13 (ZIM) e 12 (LOE), o Irmão Negro se define pela rejeição da iluminação e pela tentativa de preservar um Eu ilusório e separado, tornando-se um fantasma espiritual, incapaz de irradiar a Verdadeira Luz.

 

No Corpus Hermeticum, encontramos um paralelo interessante no conceito dos Logikoi, particularmente no Livro IV, onde há uma distinção entre aqueles que são meramente racionais (logikoi) e aqueles que são pneumáticos ou noéticos, ou seja, despertos espiritualmente, em conexão com o nous. Os Logikoi são descritos como indivíduos que confiam apenas na razão discursiva e no intelecto, sem jamais atingir a iluminação espiritual ou a gnōsis verdadeira. Eles acreditam que a razão é o suficiente, mas sua visão da realidade é parcial e limitada.

 

O Hermetismo ensina que o verdadeiro conhecimento (gnōsis) não pode ser atingido apenas pelo intelecto seco e mecânico, mas pela experiência direta da Luz. Os Logikoi são aqueles que rejeitam essa experiência mística, prendendo-se à ilusão de um Eu individual separado e racionalista. Isso é precisamente o que ocorre com os Irmãos Negros: eles não cruzam o Abismo porque se recusam a dissolver seu Ego na Verdadeira Vontade.

 

Tanto os Irmãos Negros quanto os Logikoi não geram luz própria, apenas refletem e distorcem. No Liber 418, Crowley enfatiza que um Irmão Negro não gera luz, pois não pode absorver a Verdadeira Vontade, tornando-se estéril e autocontido. De maneira similar, no Corpus Hermeticum, os Logikoi são aqueles que rejeitam Poimandres e são, portanto, desacompanhados dele, que é a plenitude da Divindade, e se contentam com um conhecimento superficial e racionalista, sem se abrir para a verdadeira experiência da Unidade.

 

Essa ideia é bem expressa no Livro XIII, onde Hermes diz: Aqueles que confiam na razão apenas estão perdidos, pois não podem sentir a presença do divino. Eles pensam que sabem, mas seu conhecimento é uma ilusão. Essa passagem poderia ser lida como uma descrição do que acontece com os Irmãos Negros, que vivem na ilusão de controle, mas na verdade estão em constante degeneração espiritual.

 

Outro ponto de contato entre as doutrinas é a questão do esquecimento místico. No Hermetismo, o verdadeiro Iniciado deve passar por uma morte espiritual, na qual o antigo Eu é dissolvido, permitindo que o espírito seja renascido na Luz, para falar nos termos em que um thelemita compreenderia. Este conceito se assemelha ao processo da travessia do Abismo em Thelema, no qual o Adepto deve abandonar todo vestígio do Ego e aceitar a total entrega à Vontade Cósmica.

 

Os Logikoi, assim como os Irmãos Negros, não aceitam essa dissolução, pois têm medo de perder suas identidades. No Aethyr 12 (LOE), Crowley descreve essa recusa da seguinte forma: Os Irmãos Negros tentam resistir ao esquecimento, pois eles temem que, ao abandonarem o Eu, desaparecerão. Eles constroem fortalezas de trevas, aprisionando-se nelas, mas não percebem que sua recusa os condena à esterilidade eterna.

 

Isso se conecta com a ideia hermética de que aqueles que se apegam ao mundo material e às ilusões da individualidade não podem ascender ao Reino da Luz. Em ambas as tradições, o verdadeiro adepto é aquele que aceita a dissolução de sua identidade ilusória para renascer na Luz. Os Irmãos Negros e os Logikoi representam aqueles que falham nesse processo, tornando-se prisioneiros de suas próprias limitações. Eles acumulam conhecimento intelectual sem transformação interna, tornando-se vazios e incapazes de evolução.

 

Portanto, podemos concluir que os Logikoi do Corpus Hermeticum e os Irmãos Negros em Thelema são manifestações do mesmo princípio espiritual: a rejeição da Iniciação Verdadeira e a recusa de se tornar um com a Luz. Enquanto os verdadeiros adeptos buscam a gnōsis, a Verdadeira Vontade e a fusão com o divino, os Irmãos Negros e os Logikoi se aprisionam em suas ilusões de controle e separação.

 

Que a Luz do Aeon brilhe em ti e que tuas reflexões sejam guiadas pela Verdadeira Vontade.

 

In nomine Babalon et Therion, in Lux et Amor,

 

Amor é a lei, amor sob vontade.


Fr. AHA-ON, 777 ∵

 
 
 

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